domingo, 21 de março de 2010

DAS WEISSE BAND - A FITA BRANCA(2009)
escrito e dirigido por Michael Haneke
estrelado por Christian Fendel


Haneke é um dos mais(se não 'o' mais) respeitado,discutido,amado e odiado diretor europeu da atualidade.Após se tornar internacionalmente conhecido em 1997 com "Funny Games",seus filmes foram a mira de diversas declarações de amor como também torrentes de alteradas manifestações de ódio.Tal controvérsia parece causar prazer ou indiferença no senhor de 68 anos,que continua a incitá-la com seus filmes ou com bizarras decisões artísticas,como a de refilmar quadro-a-quadro "Funny Games",em Hollywood e com atores americanos.
Haneke eleva a produção cinematográfica a um patamar que transforma críticas em carvão que alimenta a sua chama criativa.E é devido a isso que é difícil esperar dele uma obra menor que "A Fita Branca".

A história,escrita pelo próprio diretor,conta história de um pequeno e longínquo vilarejo alemão em plena 1ª Guerra.Representando a configuração social do país na época,o lugar é regido por um Barão,seguido pelo núcleo religioso,e o resto da população composto por típicas famílias camponesas.A partir de um acidente tramado que quase mata o médico local,estranhos atentados decorrem sem motivos aparentes,aturdindo a vida regrada e sofrida do povo.



"Uma das invenções da fotografia é a constatação de que o preto e branco torna mais fácil e ágil o acesso ao passado, uma vez que ele cria uma fratura na observação do real"
Haneke

Descendente de italianos,eu já fui diversas vezes apresentado a fotografias preto e branco amareladas,retratando as antigas colônias onde meus antepassados viviam.Assistindo ao filme de Haneke,e trocando a Itália por costumes e tradições germânicas,acabo tendo um inesperado reencontro com aqueles retratos.
Antes de tudo,"A Fita Branca" é a história em movimento.Haneke deixa claro essa intenção na narração em off que pontua os capítulos do filme.Feita por um simpático idoso que participa da história em sua versão jovem,o recurso aproxima o filme a um conto feito por avós,orgulhosos e ansiosos em contar suas vivências aos mais novos.


"Uma vez que uma pessoa constrói para si um princípio absoluto, ela, pouco a pouco, perde a sua humanidade, encaminhando-se para a prática do terror."
Haneke

Sufocadas pelo conservadorismo religioso,as crianças do filme vivem uma vida quase livre de afeto, estagnada pelos preconceitos culturais,étnicos e raciais.Dessa aparente inocência severamente moldada,nasceria mais tarde uma sociedade que envergonharia a humanidade,aquela que elegeu o nazismo como ideologia.
Psiquiatras apontam os traumas de infância como geradores de adultos perversos e perturbados.Imaginem toda uma geração de crianças vivendo um trauma coletivo,filhos de pais que escolheram o castigo e a distância emocional como uma forma de criar cidadãos "úteis" a sociedade.
Para lembrar-los dos valores pueris que uma criança deve respeitar,é amarrado no braço dos encrenqueiros a tal fita branca do título.O castigo simbólico lembra também todos os valores arcaicos de uma sociedade tradicionalista,como a submissão feminina,pregada e praticada pelos adultos do vila.
Apesar de tudo,as crianças ainda são o maior bem de todos,bem como são o centro do filme de Haneke.Os pais sempre buscam proteger seus filhos de qualquer acusação,julgando ter total controle de sua prole.Embora isso não impeça que tanto o narrador quanto o espectador desconfiem da inocência dos pequenos,que de uma forma ou outra parecem interferir nos estranhos acontecimentos da vila.


"A Alemanha que encontramos às vésperas de 1914 não me parece ser um paraíso perdido, que viria a ser maculado pelo nazismo. A barbárie e a perda da humanidade já faziam parte daquele mundo."
Haneke

Desde o primeiro frame,A Fita Branca é uma obra melancólica.Como disse Haneke,a depreciação humana era constante nas relações de todos na vila.A morte sempre parece estar por perto,e isso é explícito em cada diálogo.O mesmo pode ser sentido em obras-primas do já citado Ingmar Bergman,como "Gritos e Sussurros" e "Luz de Inverno",onde o medo da morte é o agente causador das mudanças comportamentais.
Mas nada disso impede que Haneke adicione a trama uma breve história de amor,entre o personagem-narrador e uma recatada serviçal do barão.Traçando um retrato da ingenuidade dos casais da época,repletos de amor contido e medo dos olhares alheios.



"Costumo dar muito trabalho aos fotógrafos, inventando o máximo que posso no set, não apenas nos enquadramentos da câmera, mas também na iluminação. Já tenho suficiente experiência no cinema para saber se uma lâmpada vai produzir o efeito que eu pretendo alcançar ou não."
Haneke

O uso da luz nas telas pintadas sempre movimentou o mercado de arte.Como fez o holandês Johannes Vermeer,que costumava utilizar uma câmara escura para visualizar os temas que iria representar em sua telas.Pegar emprestado a beleza de telas pintadas para compor a fotografia de um filme já é um recurso bastante utilizado.Em "A Fita Branca",a magnificência estética é tamanha,que cada frame poderia ser uma tela,cada qual com sua beleza particular.Resultado de um trabalho intenso de Haneke com o Christian Berger,que já faturou o prêmio do American Society of Cinematographers como melhor fotografia do ano.

Para estar no elenco de um filme de Haneke é necessário ter muito talento,coisa que ele mesmo nunca escondeu.Para "A Fita Branca" houve a necessidade de uma extensa busca por um elenco infantil,feita por toda a Alemanha.O resultado mais uma vez é invejável,com a descoberta de atores como Leonard Proxauf,que interpreta o encrenqueiro Martin,responsável pelos melhores momentos do filme.

Como já está explícito nos comentários em itálico dele próprio,Michael Haneke é um diretor que tem pleno controle de sua obra,desde o argumento até os aspectos técnicos,ele sabe o que faz.

"A Fita Branca" é uma lúdica passagem ao passado,uma experiência daquelas que só o cinema,na imponência de sua composição,pode proporcionar.

*citações da entrevista de Haneke ao "Blog do Bonequinho"
nota:10



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